sábado, 26 de maio de 2007

O ministro, a Ota ou como o autismo só pode criar suspeições

O ministro das Obras Públicas passou da teimosia ao autismo e deste a uma tão desastrada cegueira que, com toda a frontalidade, é preciso perguntar: a quem interessa este ministro? A quem interessa mesmo que o aeroporto se construa na Ota? Por que motivos a insensatez de tal opção não é explicada numa altura em que já se percebeu que os motivos que levaram a escolher a Ota já não são válidos? É que se não há um argumento racional a favor da Ota, só outras fidelidades, ou interesses desconhecidos, podem explicar uma tal teimosia. Por isso, ou o ministro e o Governo explicam a bondade da Ota, ou a dúvida instalar-se-á na opinião pública. É que se Mário Lino estivesse limitado à capacidade de raciocínio de quem tem um único neurónio, algo que por certo não sucede num engenheiro "a sério" que até está inscrito na Ordem, o que disse seria desculpável. Tendo mais neurónios, por que fez do discurso uma sucessão de atoardas, inverdades, mistificações e disparates?
Como é que um ministro diz que a Margem Sul do Tejo é um "deserto para onde seria necessário deslocar milhões de pessoas"? E como foi possível tentar corrigir agravando o disparate, dizendo que não se referia à Margem Sul, apenas às localizações alternativas propostas para o novo aeroporto?

Para assim falar, ou Mário Lino nunca olhou para um mapa de Portugal, ou vive em Marte. Qualquer das alternativas fica mais perto de Lisboa do que a Ota; qualquer delas é hoje servida por duas ou três auto-estradas já construídas. Há uma linha férrea que passa por lá. Um hospital central mais perto do que haveria na Ota. Indústria por todo o lado. Há portos perto, enquanto para a Ota só se poderia contar com o "famoso" porto de águas profundas de Peniche, hipótese que alguns lunáticos já colocaram. Em suma: qualquer das novas localizações está mais próxima dos milhões de pessoas que deveria servir do que a Ota. Mesmo para quem mora em concelhos a norte do Tejo como Cascais, Sintra ou Oeiras. De resto, se para ter um aeroporto fosse necessário deslocar para as suas proximidades "milhões de pessoas", então o melhor é deixá-lo onde está, no centro de Lisboa. Mário Lino falou também de um deserto e de sítios "sem gente, sem turismo, sem comércio" quando lhe bastaria, de novo, olhar para o mapa ou abrir o Google Earth para perceber que estava a dizer um disparate. Ou não existissem estudos a defender que, excluindo o impacto ambiental, Rio Frio seria melhor do que a Ota, estudos que estão na Internet mas que Lino disse não existirem...

Não contente, interrogou-se sobre se a engenharia portuguesa teria alguma dificuldade em resolver o problema de "um aterrozinho num mundo onde se constroem aeroportos no mar". Sucede que o tal aterrozito implicará a movimentação do equivalente a uma coluna de terra com as dimensões de um campo de futebol e 10 quilómetros de altura. Faz-se, mas só com muito dinheiro. Ou, por outras palavras, dando muito dinheiro a ganhar a muita gente. Em Portugal sabe-se o que isto costuma significar.

Mário Lino quer ainda construir uma nova central ferroviária em Chelas. Caríssima, como está bem de ver. E quer levar o TGV por viadutos e túneis até à Ota, outra obra faraónica e propícia a megaconcursos e monumentais derrapagens financeiras.

A pérola final foi considerar que escolher aquelas localizações seria como construir "uma Brasília no Norte do Alentejo". Norte do Alentejo? O nosso engenheiro "a sério" já esqueceu a instrução primária, pois lá terá aprendido que os lugares em discussão ainda ficam na Estremadura, e nunca deve ter olhado para os mapas das regiões-plano, pois situam-se na que é conhecida por "Lisboa e Vale do Tejo".

É caso para perguntar se o ministro sequer leu os dossiers...

(José Manuel Fernandes)

terça-feira, 15 de maio de 2007

Entre Marrocos e a Finlândia

A discussão sobre o «fenómeno de Fátima» permanecerá para sempre inacabada. Parece que tudo já foi dito a propósito das circunstâncias nas quais emergiu, do significado teológico da sua mensagem, do comércio organizado à sua volta, da fé ou da superstição de quem ali ocorre em peregrinações salvíficas ou a pagamento de promessas. O padre Mário de Oliveira tem abordado o assunto com seriedade mas também alguns tiques de prosélito do contra. Fina d’Armada ou Moisés Espírito Santo, no passado, foram muito mais longe na especulação e no delírio «científico». E nesta altura parece difícil falar do assunto sem repetir argumentos e banalidades. Deixo, por isso, apenas dois apontamentos.

Um de indignação, em relação à forma como a maioria das televisões e dos jornais têm tratado o «prodígio», referindo-se aos acontecimentos de 1917 como «aparições» que abordam como a um indiscutível facto histórico. A RTP1, em horário nobre e com o nosso dinheiro, passa mesmo The Miracle of Our Lady of Fatima (1952), de John Brahm, «baseado em factos reais» e que confunde os camponeses portugueses com balcânicos campesinos e os nossos galhardos republicanos com perigosos comunistas, arqui-inimigos bigodudos e ajuramentados da Santa Fé e das inocentes criancinhas.

Um segundo apontamento sobre as pessoas que vi nas reportagens e que fui encontrando por estes dias ao ritmo da condução. Homens de boina xadrez, mulheres de lenço, muitos jovens também, às centenas, aos milhares, a comerem farnéis de broa e chouriço à beira das estradas nacionais (sim, que as auto-estradas, velozes e assépticas, não são para eles). Sentados à sombra de velhas camionetas, de destoante e assertoado colete reflector, parecem saídos do país dual, a preto e branco e marcado ainda por um catolicismo velho e tridentino, de há quarenta anos atrás. E nós que nos imaginávamos já a mais do que metade do caminho entre Marrocos e a Finlândia!

(Rui Bebiano)

Peregrinações

As peregrinações atraem gente das mais duvidosas proveniências: vendedores de imagens, negociantes de coletes reflectores, agentes de viagens, empresários da restauração, adeptos do jogging, padres, freiras, bispos, cardeais e até crentes. Hoje vi o entusiasmo dos podófilos. Os podófilos instalaram camiões em Fátima, pelo interessado prazer de acariciar, lavar, ungir, massajar, embalsamar os peregrinos pés. O presidente da União podófila declarou : -"Às vezes encontramos casos complicados. Sabe o que é que se sente quando se dão dois ou três passos com uma pedra no sapato. Agora imagine pessoas que fazem centenas de quilómetros assim".

(Luis)

Nova Declaração

O Bonirre já deu o mote. Este blog, tal como existe, está condenado. Quando começou, a blogosfera estava a nascer neste País. Tinha a ilusão de falar sobre os meus livros, os meus poetas, a guerra de agressão que o ocidente mentiroso tinha desencadeado no Iraque, os lapiás que se levantavam no carso, as mamas empinadas das garçonettes do TAGV em dois mil e três, o vôo das aves de rapina, o encontro com os cavalos no Gerêz, a mulher, o homem e os outros animais.
Hoje a blogosfera é infinita (e infinitamente odiada pelos que sonham "regulamentar" todas as formas de expressão). Falar de livros é ainda necessário e a contracção do espaço literário nos media (Osvaldo Silvestre) dá à blogosfera essa responsabilidade. Mas há quem fale, e bem. Os meus poetas mudaram. Manuel de Freitas publica na Assírio ( poesia de qualidade); Ana Paula Inácio só voltará na sombra de alguns versos (Carlos Bessa); Rui Pires Cabral está quase na Academia, ao lado de Nuno Júdice; Pedro Mexia é uma estimada figura pública do centro. Embora reeditado, Carlos de Oliveira não é lido. (O espaço dos livros contraiu-se também nas livrarias, onde só se encontram as novidades, os mais vendidos. Os outros apodrecem em depósitos e garagens. Não terão sequer uma segunda oportunidade nas desacreditadas feiras.)
A guerra do Iraque acabou. Os agressores planeiam uma retirada que não seja vergonhosa. Ficará a guerra civil, o " governo democrático" que Bush, Blair e José Lamego ajudaram a criar e as grandes companhias mundiais apostadas na reconstrução e na extracção petrolífera. No Iraque, muito mais eficaz que a fatwa que Sarkozy lançou sobre o legado de Maio de 68, as bombas dos extremistas islâmicos acabaram com a vida de Sérgio Vieira de Mello e dos seus colaboradores, uma elite da ONU e do mundo irenaico do pós-guerra, forjada na revolução mundial de 68, como um jornal lembrou recentemente.
A ICAR recuperou. O magistério de Ratzinger é elegante e ilustrado, com pontos altos como a viagem à Turquia. Eu prefiro um Papa alemão, a famigerada tradição do Vaticano, o escarlate dos sapatos e da estola, o branco pérola das sotainas e casulas à pobreza intelectual dos pregadores televisivos evangélicos, ou das seitas cristãs latino-americanas. Quando os gerontes da Cúria Romana morrerem não haverá ninguém para os substituir e terão de apelar aos leigos. Um novo Vaticano II será então possível, ou coisa nenhuma, já se viram religiões com mais de dois mil anos desaparecer na História.
A direita parece ressurgir na Europa o que estranhamente surpreende ou alegra alguns. Mas, como escreveu Tony Judt em Pós-Guerra, as"grandes narrativas" da história europeia desapareceram. A vitória de Sarkozy não trará à França nenhuma novidade, no que respeita à demolição do estado liberal, que Sócrates, Campos e outros mais anónimos estão a executar, debaixo da bandeira socialista.
As lutas actuais não me interessam. Tenciono ser relapso na cruzada anti tabágica. Quero ser um fumador passivo ou activo, conforme as circunstâncias. A capa do livro Ambientes, que o Prozac amavelmente escolheu para O Livro da Semana neste blog, reproduz uma belíssima fotografia maldita. Janelas altas e longos reposteiros, jornais empilhados nas mesas e pendurados nas paredes, uma nuvem de fumo. Desde que as crianças sejam protegidas, da concepção à idade das escolhas responsáveis, não tenho nada contra os fumos e desde já ofereço o meu modesto primeiro andar do bairro operário para charutadas, cachimbadas e outras inalações.
Desejo o fim da perseguição homofóbica e da discriminação em torno das inclinações sexuais, desde que não envolvam crianças e outros seres incapazes de assentimento esclarecido. Mas não me atrai o casamento, seja qual for o sexo dos nubentes. Não contem comigo para esses abaixo-assinados.
Fica assim reduzido o ambito destes posts.
Vamo-nos dedicar ao que interessa: consultório sentimental onde sentimos possuir uma mais valia relativamente à Abelha Maia, celebrações, futilidades fashion e sobretudo maminhas e outras celebrações.

(Luis)

Limbo

A Igreja Católica acabou com o Limbo. Sem contemplações, entrou com os buldozers pelo bairro dentro, demoliu as barracas onde há séculos se abrigavam as criancinhas mortas sem baptismo (e outros ilegais) e seguiu em frente.

Ontem, um cónego explicava perante as câmaras que — tal como a Brandoa dos anos 1960-70 ou o Poceirão dos últimos anos, tal como as barracas da Estrada Militar do Alto da Damaia ou da Quinta da Caiada — o Limbo nunca foi oficialmente reconhecido pelo Catecismo (espécie de PDM teológico, presume-se). Os buldozers tinham, por isso, toda a legitimidade para entrar.

Resta saber o destino dos pobres desalojados. Ou a forma como vai a Igreja reabilitar a zona: parque urbano ou especulação imobiliária?

Finalmente, deixo para os tablóides a devassa da vida íntima: afinal, por onde andava realmente Jesus, quando nos diziam que tinha descido ao Limbo?...

(Fernando Gouveia)

sábado, 28 de abril de 2007

Curioso tempo

Neste curioso tempo em que vivemos é de bom tom exprimir pensamentos e sentimentos politicamente correctos. E assim, tudo o que mesmo de longe tenha cheiro de discriminação, racismo ou outra forma de antipatia, é apontado a dedo, condenado pela hipocrisia vigente, e ao pecador resta apenas descobrir buraco em que se refugie.
Não se podem fazer comentários negativos sobre a arrogância do islamismo. É mal visto não demonstrar um intenso carinho pela raça negra. Todos os pobres são implicitamente bons, e todos os criminosos uns infelizes que as condições sociais levaram a descarrilar.
Dentro de semelhante contexto como é que eu, que nunca tive nem tenho preconceitos sobre a cor da pele, vou poder explicar que está fora das minhas intenções desculpar mais um negro que um branco, um chinês ou um esquimó?
Porque não hei-de protestar quando o Islam exige que se levantem mesquitas nos países ditos cristãos, mas “retribui” proibindo que nos seus se levantem igrejas? Terei de aceitar sem revolta que a shariah me seja imposta, e o corte das mãos e as lapidações substituam o Direito?

(J. Rentes de Carvalho)

ISTO NÃO É UMA PARÁBOLA

Para os pragmáticos, uma parábola não quer dizer nada. É só uma trajectória. Uma coisa que sobe e depois desce. Uma curva elegante. Um caso de simetria (com foco). Algo que se pode ver e explicar.
Não espanta que sejam os pragmáticos a governar o mundo.

(José Mário Silva)